Por Fábio Lage – House of Models
Mon amour do céu… o que a Dendezeiro fez na São Paulo Fashion Week N59 não foi apenas um simples desfile — foi um levante. Um desfile-ritual. Um verdadeiro batismo ancestral costurado com palha, couro, tapeçaria e sabedoria. A marca baiana, comandada pela dupla brilhante Hisan Silva e Pedro Batalha, apresentou o segundo capítulo da trilogia Brasiliano, batizado de “A Puxada pro Norte”, e transformou o shopping JK Iguatemi em altar tropical de fé, moda e território baladeiro!

Se você acha que já viu de tudo na SPFW, pense e repense novamente, mon chéri. O que a Dendezeiro entregou foi um espetáculo que cruzou espiritualidade, estética e sociopolítica — e ainda fez tudo isso com a leveza de quem samba descalço sobre chão de dendê.

Quando o tecido vira testemunho
A coleção mergulha de cabeça nas águas doces do Norte brasileiro, sem bóia de tendência. Inspirada na revolta da Cabanagem, de 1835 — um marco de resistência política e social na Amazônia —, a coleção ultrapassa a linguagem fashion, entregando uma coleção forte, a cara do Brasil: é manifesto, é tributo, é território traduzido em forma e fibra.

E se o Brasil fosse coerente com sua própria história, essa coleção estaria desfilando em horário nobre da televisão aberta com legenda: “atenção, isso é Brasil verdadeiro”.
Com modelagens amplas, cartela terrosa com tons de barro, tucupi e clorofila, estampas que homenageiam a fauna aquática e slogans de respeito como “Açaí sem xarope” e “Castanha do Pará”, os looks falam de pesca, fé, rios, infância e pertencimento. Tudo costurado com dendê, suor e propósito.

Uma passarela chamada Brasil
Mas não estamos falando de um desfile temático e turístico. Estamos falando da Dendezeiro, mon chéri… E isso significa que cada look tem densidade simbólica, política e afetiva. Foram vestidos de palha escultural confeccionados pelo artista baiano Ed Carlos, tapeçarias do mestre Renan Estivan, estampas autorais de Bernardo Conceição, acessórios da deusa criativa Loo Nascimento, e calçados desenvolvidos pela Kenner — tudo isso costurado com o olhar afiado da dupla Hisan e Pedro, que sabe onde pisa porque sabe de onde vem.

As gravatas em couro cru, os corsets vegetais com bustos marcados, as saias plissadas que lembram folhas ao vento, e os casacos com bolsos múltiplos em marrom amazônico: tudo era narrativa. Nada era ornamento. – Babado certo!
Porque ignorar o Norte nunca foi uma opção
A pesquisa que sustenta “Brasiliano 2” é de fazer faculdade de moda chorar de inveja, querides. Hisan e Pedro mergulharam em entrevistas com nortistas, leituras sobre o movimento cabano, estudos sobre a religiosidade da região e consultoria cultural do professor Kildren Pantoja Rodrigues.

O resultado? Uma coleção que não folcloriza, mas reverencia. Que não copia, mas traduz. Que não interpreta, mas escuta.
Tem boto-cor-de-rosa como símbolo sagrado, pesca como sustento e fé, e Encantaria, Pajelança, Tambor de Mina (Alo Grande Rio, Noite de festa, curió marajoara Protege a Dendezeiro nas águas de Nazaré) e Candomblé entrelaçados na construção simbólica da coleção. É moda de corpo inteiro. É moda que escuta antes de falar, mon amour.

E como a própria dupla afirmou: “Não temos mais o mesmo olhar sobre o Brasil depois de mergulhar na imensidão que é o Norte.” A gente, depois desse desfile, também não, darling.

Bordado com coragem, dendê e direção
A construção das roupas é quase arquitetônica. Casacos inflados que lembram canoas. Palhas trançadas que balançam como altar de Oxóssi. Tapeçarias que parecem carregar a história bordada de vó. Alfaiataria com cintura baixa, ombros largos e movimento fluido que desafia convenções e a gravidade.
O monocromático da marca continua, mas agora em texturas, camadas e tonalidades que só um olho afiado reconhece como política visual. O rosa queimado vira resistência suave. O marrom, território fértil da dupla. O verde, floresta vestível.

A beleza como extensão do discurso
Assinada por Ulisses, do Coletivo Gotham, a beleza foi um sussurro de fé. As peles tinham brilho de orvalho da manhã no mato. Os olhos vinham abertos, vivos. Os cabelos naturais, em tranças, black power, cortes curtos — formas que não tentavam domar, só libertar.
A maquiagem, leve, delicada e com longa duração, graças à linha Super Fix da Vult, respeitou cada rosto como se fosse altar. Nada escondia. Tudo revelava.

Corpos que contam: o casting
O desfile teve Majur, Liniker e Gaby Amarantos — sim. Mas também nomes que dizem muito com o olhar e catwalk: Rafael Fonseca, Noah Alef, Mateus Conceição, Valter Fernando, Thiago Moraes, Maely Loren, Karen Brasil, Vanessa Merellys, Peter Silva e Mohamed Deme.
Cada corpo que pisou na passarela levava junto histórias, cidades, sotaques e afetos. Era mais que diversidade estética — era curadoria de vidas, mon petit!

Fervor e comoção: o backstage virou festa
O pós-desfile foi tão poderoso quanto o desfile. Lá estavam os fãs, os jornalistas, os stylists em transe. E no meio disso tudo, nossa estrela Hedras Graf, da cobertura House of Models + Vivax TV, captando o frisson da saída de Hisan e Pedro.
Foi como presenciar uma manifestação popular: gritos, lágrimas, selfies, abraços. A moda virou festa de rua. A rua virou templo.

O Brasil profundo, o mundo inteiro
Dendezeiro já não é promessa — é potência. Com seis anos de história, já foi patrocinada por Viola Davis, mencionada por SZA, premiada em Cannes com o projeto “Respeita Meu Capelo”, e celebrada em TCCs de moda aqui e lá fora. E ainda assim, segue com os pés descalços no chão de barro vermelho da sua origem.
Eles não surfam tendências. Eles constroem marés.

Desfile ou encantamento?
O que se viu no JK Iguatemi foi um chamado coletivo. Uma oferenda estética que mistura couro, palha, boto-cor-de-rosa e sabedoria ancestral. Foi uma aula de como criar moda sem apagar territórios. Sem roubar narrativas. Sem plastificar verdades.
A Dendezeiro mostrou que o Norte não está no mapa apenas como ponto cardeal. Está como centro. Como fonte. Como vanguarda.
Axé, Dendezeiro. Obrigado por puxar o Norte pra dentro de nós.

Foto: Ag. Fotosite
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