Reptilia na SPFW N59: uma erupção de alfaiataria tectônica, fissuras emocionais e o subterrâneo da moda!

Reptilia - SPFW N59 - Foto: Gustavo Scatena - @agfotosite

Por Fábio Lage | House of Models

Ui ui ui, segura esse abalo sísmico fashion, Brasil! Se você achava que já tinha visto tudo na SPFW N59, mon amour, se prepare para recalibrar seu sismógrafo estético. A Reptilia voltou à passarela com sua coleção “Tectônica” e provocou uma verdadeira movimentação nas placas conceituais da moda brasileira. O desfile foi uma cartografia emocional de camadas, do chão ao sublime, da alfaiataria ao ritual.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

Sob a direção criativa de Heloisa Strobel, a marca investigou não o espaço sideral (como fazem tantos), mas sim o que pulsa debaixo dos nossos pés: a crosta, o solo, as fendas da Terra e do corpo. E foi ali que ela encontrou poesia, volume, estampa e silhueta.

Que terremoto é esse, honey Lee?

A coleção “Tectônica” se inspira no movimento das placas tectônicas, criando roupas que remetem a fissuras, sobreposições, deslocamentos e mutações geológicas. Essa inspiração aparece em casacos volumosos, mangas articuladas, camisas com faixas removíveis e pelerines com ares vitorianos.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

A silhueta é arquitetônica e orgânica ao mesmo tempo. Estrutura e fluidez se encontram em cortes a laser, tecidos com zero waste e texturas aplicadas manualmente. Tudo isso sem perder o DNA minimalista e autoral da marca, que se fortalece a cada temporada.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

Outro ponto de destaque é o uso das texturas aplicadas a partir de sobras de tecidos cortados a laser, em formas orgânicas como círculos e curvas, criando um jogo tátil e visual que não apenas encanta, mas carrega um discurso de reaproveitamento e sofisticação. A estampa, utilizada pela primeira vez na história da marca, foi desenvolvida a partir de fotografias analógicas feitas por Heloisa durante uma viagem ao Oriente Médio, impressas em seda e rami com visual de solo, fissura e água.

Segura esse catwalk babadeiro!

O desfile aconteceu nessa quarta-feira, 9 de abril, no JK Iguatemi, às 16h. Foi a segunda participação da Reptilia na SPFW e, sejamos sinceros, o que era promissor se tornou sísmico.

ReReptilia – SPFW N59 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

O espaço escolhido trouxe proximidade com o público, permitindo que as camadas, os recortes e as texturas fossem vistas de perto como obras de arte em movimento. O casting diverso, com modelos de diferentes idades e biotipos, reforçou o caráter universal e agênero da coleção.

Olhar afiado, coleção potente!

O olhar de Heloisa Strobel vai muito além da tendência: ela cava, escava, tensiona e encontra no fundo da Terra a força de um discurso. A coleção se propõe a revelar camadas ocultas da moda e do corpo, evocando não apenas o que se vê, mas o que se sente: profundidade, deslocamento e potência.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

Além disso, a coleção marca a estreia de peças masculinas, com 20% do casting voltado para eles, e o uso inédito de estampa, criada a partir de fotografias autorais feitas no Oriente Médio e impressas sobre seda e rami.

As peças masculinas fogem dos códigos tradicionais do guarda-roupa masculino. Criadas sob o olhar de uma mulher estilista, elas propõem novas possibilidades de vestir, onde a alfaiataria é repensada com mais fluidez, volume e sensibilidade. Uma provocação necessária num mercado ainda dominado por olhares masculinos sobre os corpos.

É time de peso que fala, né?

O styling ficou por conta de Paulo Martinez, que nos levou a um universo onde sobreposições contam histórias de placas que colidem. Peças como a camisa “Camadas”, com mangas ajustáveis por faixas, exemplificam bem esse jogo de articulação e volume.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

Responsavel pela beleza do desfile, Helder Rodrigues assinou maquiagens limpas com foco na textura natural da pele e cabelos volumosos, ora soltos ora domados por golas arquitetônicas. Destaque para os braceletes e golas plissadas, verdadeiras estruturas esculturais.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

Enquanto modelos desfilavam pela passarela da Reptilia, o badalado Rodrigo Lemos traduziu o tremor subterrâneo em som: a trilha oscilava entre minimalismo atmosférico e ruídos densos, acompanhando a jornada de cada modelo como se fosse um ritual. Cada entrada tinha uma batida diferente, respeitando a identidade do look.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

Os sapatos, bolsas e cintos são assinados por Juliana Bicudo, com construção em camadas e recortes como as roupas. Os mocassins apareceram em numerações de 34 a 42, reforçando o caráter agênero da coleção. As bolsas traziam textura plissada em couro, em sintonia com os volumes das roupas.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

Como não falar da direção babadeira do desfile, feita por Ed Benini? Ed manteve a atmosfera ritualística com passarela limpa, foco na roupa e presenças que carregavam o peso da proposta. A iluminação suave destacava volumes e texturas, criando sombra e revelação como parte do enredo.

“Saias em camadas bordadas, bordadas…”

A construção visual apresentada no desfile da Reptilia foi milimetricamente pensada para transmitir camadas conceituais que dialogam com a proposta da coleção “Tectônica”. Cada entrada na passarela parecia uma rachadura no solo: revelava profundidade, história e tensão estética.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Gustavo Scatena – @agfotosite

Logo no início, uma silhueta casulo em terracota rompeu a neutralidade com uma calça branca de alfaiataria, meia vermelha e sapato marrom — um contraste ousado entre a rigidez do corte e a provocação cromática. Era o tipo de composição que gera atrito, mas também equilíbrio — um caos harmônico que já dava o tom da coleção.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Gustavo Scatena – @agfotosite

Pouco depois, um vestido azul royal esvoaçava com imponência, sobreposto a um casaco preto estruturado, evocando espiritualidade com força. Uma imagem que parecia pairar entre o sagrado e o pragmático, entre o etéreo e o concreto.

RReptilia – SPFW N59 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

A alfaiataria tradicional também apareceu, mas subvertida: risca de giz desconstruída, ombros marcados, gola com laço branco. O detalhe das meias vermelhas quebrava a sobriedade e injetava rebeldia em silêncio. Era como se o dândi clássico tivesse saído de uma fenda no tempo, vestido de presente e protesto.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

A fluidez dos tecidos texturizados também teve seu ápice em um vestido azul acompanhado por braceletes esculturais. A figura formada na passarela parecia feita de movimento e solidez ao mesmo tempo — como se magma ganhasse forma humana.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

Quase no fim do desfile, um casaco telha com gola arquitetônica se impôs com gesto cerimonial. Sua presença solene encerrava o desfile com a aura de um rito de passagem, como se aquela silhueta representasse o próprio epicentro da coleção.

E, por fim, uma alfaiataria cinza veio desconstruída por camadas, assimetrias e uma gola que parecia esculpida. Era a síntese de tudo: austeridade e ruptura, silêncio e poder, forma e sentimento.

Essas presenças não foram apenas looks de passarela, mon amour. Foram placas sobrepostas de moda, terra e significado. A Reptilia cavou fundo e devolveu à superfície uma coleção que emociona não pelo que veste, mas pelo que revela.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

Com “Tectônica”, a Reptilia se firma não apenas como uma potente marca de moda, mas como uma pesquisadora visual de profundidade simbólica. Sua alfaiataria vai além de vestir corpos, veste territórios emocionais. Suas estampas são reveladoras. Suas camadas não escondem, expõem.
Heloisa não desenha para agradar, querides; mas para provocar. E o faz com tanta beleza, rigor e consciência, que cada look parece escavar um novo sentido para o vestir.
Se a moda é, como dizem, um reflexo do nosso tempo, a Reptilia nos convida a olhar para onde ninguém quer ver: para o fundo, para o chão, para o que sustenta e movimenta tudo.
E ali, entre fendas e texturas, ela faz brotar poesia.

Foto: Ag. Fotosite