Walério Araújo faz um tributo à Elke Maravilha. Estilista cria coleção inspirada em sua melhor amiga e musa inspiradora para participar da São Paulo Fashion Week N55.
Em meados dos anos 90, quando dava expediente como vendedor em uma loja de tecidos na região da famosa Rua 25 de Março, em São Paulo, Walério Araújo recebeu um telefonema de sua amiga Rosana Star. Ela tinha um recado que mudaria para sempre a carreira do jovem que saiu de Pernambuco para ganhar a vida em São Paulo: “A Elke Maravilha quer te conhecer”. O rapaz ficou atônito e feliz – havia muito tempo que Walério admirava e reverenciava aquela mulher que era ícone de moda.
Em paralelo ao trabalho na tecelagem, Walério desenhava e confeccionava vestidos de festa para drag queens e travestis da noite paulistana. Elke, então jurada no programa de calouros de Silvio Santos, tinha visto algumas de suas criações – e se encantou com elas. Ela queria conhecer quem era o estilista que revolucionava a noite paulistana.
Meia hora após a ligação, Walério estava cara a cara com Elke, no apartamento que ela alugava em uma travessa do Minhocão, em São Paulo. A mulher de quase 1,80 metro sem salto alto, o cumprimentou e logo lhe deu um conselho que se tornaria um mantra:
“Walerinho, tenho visto as suas criações e ficado muito impressionada. Você sabe fazer tudo. Não se renda nem se venda, faça para as pessoas o que você acredita que elas possam usar”.
Apaixonada por moda, arte e literatura, e consciente do poder de um look bem elaborado, Elke Maravilha tinha algo em mente. Ela queria que Walério Araújo desenhasse seu figurino para as gravações com Silvio Santos. Elke deu uma única recomendação, algo como:
“As mulheres querem menos, mas para mim você pode aumentar os adereços de cabelo, os volumes, os bordados, tudo”.
Com liberdade para criar absolutamente o que quisesse (desde que vetasse o azul claro usado por Roberto Carlos), o estilista passou a se encontrar com a musa religiosamente todas as sextas-feiras. Eles discutiam tecidos, modelagens e propostas, e ela provava a nova roupa feita sob medida que seria usada dois dias depois. Além das roupas para a tevê, havia os trajes para aparições públicas e festas. Em um concurso do Miss Brasil Gay, realizado em Juiz de Fora, ela deixou o público boquiaberto ao vestir um macacão dourado com capa, corset e mangas volumosas. O céu era o limite no processo criativo, conta Walério.
“A Elke me desafiava trazendo tapete de caminhoneiro e toalha de altar de igreja. Ela gostava de vikings, tapeçarias, armaduras. Ela foi uma precursora da Lady Gaga, ficava entre o conceito e a fantasia.
Ela era assim no dia a dia. Elke ia à quitanda de bota, caftã e muita maquiagem”, acrescenta Walério.
Para sua coleção na São Paulo Fashion Week N55, o estilista Walério Araújo escolheu fazer uma grande homenagem à sua amiga e musa inspiradora. As roupas fazem um passeio pela vida da modelo, apresentadora e ativista desde os tempos em que surgiu na mídia como manequim de estilistas como Clodovil e, depois, Zuzu Angel. Quando o tema de sua coleção é alguém extravagante e moderno, como definir a cartela de cor da coleção? Walério encontrou a solução: escolheu os tons da bandeira LGBTQIA+, causa defendida por Elke muito antes de o assunto ser pauta mundial.
Na passarela, a cartela vai do vermelho ao preto, com a gradação representando diferentes fases da história de Elke. A vivacidade e o brilho dos tons de vermelho, laranja e amarelo remetem à sua fase no júri de calouros de Chacrinha e Silvio Santos, os tons pastéis, como os looks cor marfim e off-white, representam o momento em que modelou para Zuzu Angel e, como um pedido de paz pelo desaparecimento do filho da criadora e amiga na ditadura, usava uma pomba branca como acessório de cabeça, trazida por Walério no styling. Em seguida, entram as peças azul turquesa, azul royal, roxo e preto. Última cor a cruzar a passarela, o preto faz referência à Kalunga, gato de mesma cor e bicho de estimação de Elke, que também representava seu exu.
Os looks do desfile serão compostos por peças como body, macacão, blazer, vestido e botas de cano alto até a virilha.
“Vai ser um desfile-espetáculo, mas com criações palpáveis e reais para o público final”, promete Walério.
Entre os tecidos usados, estão musseline, tafetá, seda e cetim – e muitos bordados. Haverá uma homenagem ao Chacrinha, a criação de uma bolsa de abacaxi e um modelo todo bordado com centenas de pérolas.
“Criei roupas atuais e modernas, tendo a certeza de que a minha amiga usaria todas elas hoje, se ainda estivesse aqui”. Finaliza o estilista.
A grande estrela Elke faleceu em 2016. A coleção de Walério Araujo inspirada nela contou uma história de amizade e amor traduzida em roupas singulares e atemporais.
FICHA TÉCNICA:
Direção Criativa: Walério Araújo
Direção de Desfile: Roberta Marzolla
Direção de Moda e Styling: Marcell Maia Beleza
Make Up & Hair: Daniel Hernandez
Chapéus: Cássia Cipriano
Assistente de Direção: Will Pissinini
Release: João Braga
Backstage:
Foto: @agfotosite