Quem é Travos, o modelo indígena que atravessou a Casa de Criadores sem pedir licença?

Modelo indígena paraense, descoberto por Elian Gallardo e integrado ao casting da Elian Gallardo Model Management, Travos transforma sua passagem pela Casa de Criadores em uma leitura poderosa sobre corpo, identidade, método e futuro da moda brasileira.

A moda brasileira ainda não decidiu o que fazer com corpos indígenas. Se são futuro ou exceção. Se entram como narrativa estrutural ou apenas como imagem bem-intencionada para aliviar a consciência da temporada. Enquanto ela hesita, calcula e ensaia discursos, Travos atravessa a passarela. Sem pedir licença. Sem se explicar demais. Ui ui ui.

Por Fabio LageHouse of Models

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Nascido em São Miguel do Guamá, no Pará, Travos não chega à moda como personagem pronto para consumo rápido nem como “história inspiradora” convenientemente editada. Ele chega como corpo em território. Banho de rio na infância, primos, natureza como formação física e emocional. Um corpo que aprende cedo a se orientar pelo entorno, não por cartilha. Descendente da etnia Tembé, ele não romantiza o que não viveu e tampouco suaviza o que vive. Ele afirma. E segue. Se ainda existe quem pergunte “mas você é indígena mesmo?”, talvez seja a indústria que precise refazer essa pergunta olhando para si… Atura ou surta, bebê.

Travos não foi descoberto em um lampejo de sorte ou em um casting oportunista. Ele foi reconhecido. E essa diferença muda tudo.

O corpo antes do discurso

Antes de qualquer passarela, Travos precisou aprender a lidar com o silêncio. O silêncio de chegar em São Paulo com 19 anos, longe de São Miguel do Guamá, longe do rio, longe do ritmo conhecido. Não o silêncio romântico da “cidade dos sonhos”, mas aquele silêncio concreto de quem observa mais do que fala. De quem entende que o corpo precisa primeiro ler o ambiente antes de ocupá-lo.

No backstage, Travos não é o mais barulhento. Ele olha. Observa as pessoas correndo, os corpos sendo vestidos às pressas, a tensão pairando no ar como eletricidade. Fecha os olhos por alguns segundos, respira, faz uma oração curta. Não para pedir sorte. Para se manter inteiro. Espiritualidade, ali, não é estética. É eixo, mon petit!

Quando o chamam, ele não entra pensando em ser visto. Entra pensando em atravessar. O passo é firme, mas não arrogante. O olhar é direto, mas não agressivo. Existe ali algo que não se ensina em aula de passarela: consciência de presença. O modelo entende que desfilar não é ocupar espaço, é sustentar significado enquanto o espaço reage a você.

É nesse ponto que a ficha começa a cair. Para ele e para quem observa com atenção. Esse corpo não está ali para cumprir cota, ilustrar discurso ou performar identidade. Ele está ali porque aguenta. Porque segura. Porque não se desfaz quando o contexto muda.

E isso, na moda brasileira, ainda causa estranhamento.

Elian Gallardo e a construção que não tem pressa

Existe uma diferença fundamental entre descobrir um modelo e reconhecer um corpo em potência. A moda brasileira, apressada e ansiosa por novidade, costuma confundir as duas coisas. Travos só existe como trajetória consistente porque, no momento certo, encontrou um olhar que não tinha pressa de transformar presença em produto. Esse olhar atende pelo nome de Elian Gallardo.

À frente da Elian Gallardo Model Management, Elian não opera pela lógica do hype instantâneo nem pelo fetiche da diferença como moeda estética. Ele opera por leitura, tempo e construção. Quando Travos chega até ele, não chega como promessa folclorizada nem como exceção conveniente. Chega como corpo que pede estrutura, não enquadramento.

Elian entende algo que parte da indústria ainda resiste em aceitar: diversidade sem estratégia vira figurino, e figurino não sustenta carreira. O trabalho da EGM com Travos não começa no booking. Começa no alinhamento simbólico. Quem é esse corpo… De onde ele vem… O que ele comunica sem abrir a boca… O que pode ser potencializado sem ser domesticado…

Travos responde a esse método com algo igualmente raro: escuta. Ele aprende, observa, ajusta. Não se perde tentando corresponder a expectativas alheias nem se cristaliza em uma única narrativa. A EGM oferece estrutura para que ele cresça sem precisar se diluir. Num mercado que ainda confunde juventude com descartabilidade, isso é quase revolucionário, mon amour de Xique-Xique!

Casa de Criadores: quando quatro desfiles viram tese

Existe uma diferença brutal entre desfilar muito e desfilar com sentido. A Casa de Criadores sempre foi esse termômetro incômodo da moda brasileira. Ali, não adianta conceito bonito se o corpo não sustenta. E foi exatamente nesse território que Travos deixou claro que não está apenas passando pelas passarelas. Ele está ocupando camadas.

Jorge Feitosa – Casa de Criadores 57 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

Com Jorge Feitosa, o modelo ativa o afeto. Um corpo aberto, solar, emocionalmente disponível. O amarelo intenso não funciona como estética instagramável, mas como estado de espírito. Jorge fala de encontros, apaixonamentos e vulnerabilidade. Travos não ilustra esse discurso. Ele atravessa. Caminha sem armadura, sem cinismo, sem o distanciamento blasé tão comum em passarela. Presença que desarma. Ui ui ui, me abana Regina Guerreiro!

Vitor Cunha – Casa de Criadores 57 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

Com Vitor Cunha, o registro muda. Em Sentido dos Ventos, Travos entra em estado de travessia. Macramês, nós, tapeçarias, o gesto artesanal que carrega ancestralidade sem folclore. A metáfora do pescador que parte para o mar como busca de autoconhecimento encontra nele um encaixe preciso. Ele sai do Pará não para negar origem, mas para expandi-la. O olhar não busca aplauso. Atravessa o espaço. É rito, não espetáculo morno.

Hugo Ito Brand – Casa de Criadores 57 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

Já com Hugo Ito, o corpo vira campo de embate psicológico. EPHESIANS trata da armadura como proteção contra um mundo que não lida bem com diferenças. Superfícies que simulam metal, estampas que evocam ferida, beleza marcada. Travos não entra como guerreiro fashion genérico. Ele entra como corpo que já entendeu que existir ainda é um ato político. O olhar é frontal… Não pede empatia. Exige respeito.

MOCKUP – Casa de Criadores 57 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

E então vem a MOCKUP, fechando o arco com maturidade rara. Ruptura propõe o rompimento não como explosão, mas como decisão interna. Prata recortado, transparência em tensão com densidade, pele que se abre sem se perder. Travos sustenta esse estado liminar com calma e consciência. Aqui não há pressa de provar nada. Há transição.

Afeto, travessia, embate e ruptura. Esses quatro momentos não constroem um personagem. Constroem linguagem. Pouquíssimos modelos jovens conseguem sustentar tamanha variação simbólica sem perder eixo. Travos consegue porque não depende da roupa para existir. Ele lê atmosfera. Ele escuta conceito. Ele entende que moda autoral exige responsabilidade simbólica.

Não é sobre se Travos vai chegar. É sobre quem vai acompanhar.

Travos está pronto. Não pronto como produto embalado para consumo rápido, mas pronto como corpo que sustenta narrativa, presença e contradição. Pronto porque tem origem, método, leitura simbólica e estrutura que não o apressa nem o dilui.

O que a moda brasileira ainda parece decidir é outra coisa…

Vai tratá-lo como exceção elegante ou vai assumir que corpos como o dele não são tendência, são parte estrutural do presente? Vai continuar confundindo diversidade com figurino ou vai encarar que construção de carreira exige tempo, estratégia e responsabilidade simbólica?

Travos não veio para ocupar vaga temporária. Veio para reorganizar imaginário. E isso dá mais trabalho do que postar manifesto bonito no Instagram.

A diferença está clara para quem entende, baby. Travos não se apoia apenas na própria força. Ele tem agência, tem método, tem direção. A Elian Gallardo Model Management não o lançou para o ruído do hype, mas para o silêncio do processo. Por isso ele atravessa contextos tão distintos sem se perder.

Talvez por isso ele ainda cause desconforto. Porque o sistema gosta de novidade, mas teme permanência. Gosta de diversidade, mas recua quando ela vem com densidade.

Travos está em movimento; em construção… com eixo.
O resto da indústria é que precisa decidir se vai acompanhá-lo ou ficar olhando da margem, tentando entender por que esse corpo não passa rápido.

Porque ele não veio para passar.

Veio para ficar.

E quando isso acontece, mon amour da paulicéia… não é tendência.
É mudança de nível.
Beijinhos!

Foto: AG Fotosite – Desfiles Casa de Criadores
Foto: Elian Gallardo Model Management – Divulgação

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