O que o Rio precisa para uma semana de moda de verdade (e por que o RioFW vai ser cobrado por isso)

Por Fabio Lage House of Models

Ui ui ui, darling Lee da Silva… O Palácio da Cidade tem aquele glamour institucional que parece sussurrar “respira, a gente vai fazer isso direito”. Jardim impecável, ar condicionado na medida e discursos com a cadência certa para virar manchete sem perder a compostura. E foi nesse cenário que o Rio Fashion Week apareceu oficialmente como a tentativa mais clara, em anos, de dar ao Rio de Janeiro uma plataforma contínua, com calendário, ambição e vocação internacional. Porque existe, sim, um Rio que o mundo já consome como imagem, lifestyle e narrativa tropical. E existe um Rio que trabalha em silêncio, produz, costura, empreende e sustenta uma cadeia que merece mais previsibilidade e mais mercado. A novidade do RioFW é justamente prometer esse encontro, com a cidade deixando de ser apenas pano de fundo e passando a ser argumento.

Amir Slama – SPFW N60 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

O anúncio em si é objetivo. O RioFW foi confirmado para acontecer de 15 a 18 de abril de 2026, no Píer Mauá, dentro do Porto Maravilha. E, como todo anúncio que quer nascer grande, ele já chega carregando uma ambição de escala, mon petit. A Prefeitura fala em mais de 30 desfiles.

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E convenhamos baby, a frase “calendário oficial” tem uma sedução própria, porque ela parece neutra e técnica, mas é política pura. Não se trata apenas de moda. Trata se de poder econômico usando roupa como linguagem, turismo usando passarela como mídia, e união de legitimidade com São Paulo usando o vocabulário mais elegante do poder: plataforma, internacionalização, impacto, estratégia. O RioFW não nasce como evento, bebê… ele nasce como declaração. E declaração, no Brasil, nunca é só estética. Babado fortíssimo.

O desenho que está sendo comunicado por quem está no centro do jogo não é “Rio contra São Paulo”, é integração de calendário. Em entrevistas dadas após o anúncio, Paulo Borges falou em criação de um comitê de estratégia e planejamento e em uma consolidação do calendário oficial da moda brasileira, com uma engrenagem envolvendo Rio Fashion Week e São Paulo Fashion Week. Isso é a parte adulta do discurso. E é justamente por ser adulta que ela exige respostas adultas sobre governança, critérios e indicadores. Porque calendário não é frase bonita. Calendário é hábito de mercado, e hábito de mercado custa dinheiro, método e repetição.

O que foi dito na coletiva do Rio Fashion Week

Alan Adler, CEO da IMM, fez o lançamento no modo “plataforma total”. Falou de semana de moda como movimento, de cidade como vitrine viva, de Porto Maravilha como lugar de reinvenção, e desenhou um pacote que mistura desfiles, talks, ativações, gastronomia, bem estar e até conexão com audiovisual, como se o RioFW fosse também um festival de cultura e estilo de vida. Esse formato dialoga com o que foi divulgado oficialmente sobre o evento e com a narrativa de reposicionar o Rio como destino global… Ui ui ui, já vejo Meryl Streep, Anne Hathaway e cia. vindo em peso lançar O Diabo Veste Prada no RioFW… será? Engajamento temos de sobra, honey!

Aí entram os números, e é aqui que euzinho visto o jaleco feito pela marca House of Models, (Ops, falei demais) sem perder a elegância. Adler citou percentuais grandiosos sobre a moda no PIB e sobre a indústria criativa. O meu ponto não é “pegar no pulo”, é proteger o projeto de si mesmo. Esse tipo de número, dito em palco, costuma se referir ao Brasil como um todo, em um recorte amplo e nem sempre explicitado, e não ao Rio de Janeiro especificamente. Se você cola esse dado nacional no território local sem explicar recorte, você cria ruído e dá argumento para quem torce contra. E a indústria criativa, quando medida por séries conhecidas e com metodologia publicada, aparece em outro patamar. No Mapeamento da Indústria Criativa 2025, a Firjan estima que a Indústria Criativa representou 3,59% do PIB brasileiro em 2023, totalizando R$ 393,3 bilhões, e aponta o Rio de Janeiro como um dos estados acima da média nacional em participação do PIB criativo.

Adler também estimou impacto econômico de R$ 200 milhões. E a comunicação em torno do evento, incluindo canais institucionais, vem associando esse impacto à geração de aproximadamente 8 mil empregos diretos e indiretos. Só que, até aqui, o que está público é o número, não a metodologia. Sem estudo publicado com premissas, multiplicadores, recorte territorial e comparação com eventos similares, impacto econômico vira desejo narrado em microfone. O Rio já viveu tempo demais de desejo narrado.

Eduardo Cavaliere, vice prefeito, foi mais explícito no jogo de poder. Falou da frustração histórica com a centralidade paulistana, defendeu RioFW e SPFW como eventos complementares e posicionou o Rio como portal de exportação de cultura e estilo de vida, reforçando a cidade como vitrine global do Brasil. Essa visão dialoga com a maneira como a Prefeitura vem enquadrando turismo e economia criativa como estratégia. Ele citou ainda a criação de um Conselho de Moda na Prefeitura, como tentativa de institucionalizar um setor que, no Rio, sempre oscilou entre potência cultural e fragilidade estrutural.

E teve uma camada que eu considero reveladora: Cavaliere conectou moda a infraestrutura, especialmente aeroportos e circulação de mercadorias. É uma fala que tenta tirar a moda do lugar de “festa” e colocar no lugar de “economia real”. E isso é bom. Só exige um compromisso: quando se usa logística como argumento, a conversa precisa vir acompanhada de dados consistentes e de política de longo prazo, porque logística não se resolve com passarela, resolve se com governança.

Amir Slama – SPFW N60 – Foto: Marcelo Soubhia/ @agfotosite

Brasil não é Rio, e moda não é um bloco único

O RioFW nasce num território de disputas semânticas. Moda é uma palavra que, no palco, vira uma entidade homogênea. Na vida real, moda é cadeia. Moda é indústria, é serviço, é varejo, é e commerce, é imagem, é educação, é informalidade, é subcontratação, é território, é desejo. Quando o discurso mistura dado nacional com promessa local, a saída responsável é separar as camadas: o que é Brasil, o que é Estado do Rio, o que é município, e o que é narrativa.

Por isso é relevante que o Rio de Janeiro apareça com força na economia criativa medida por um estudo reconhecido. O Mapeamento da Indústria Criativa 2025 aponta o Rio como um dos estados com participação do PIB criativo acima da média nacional. Isso combina com o que qualquer um que vive a cidade sabe: o Rio é máquina de imagem, conteúdo, entretenimento e exportação simbólica. A questão é se o RioFW vai converter essa potência em estrutura econômica repetível, ou se vai só aumentar o volume do som.

Amir Slama – SPFW N60 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite

O Porto Maravilha como palco e como metáfora

Escolher o Porto Maravilha não é só escolher um lugar bonito e instagramável, querides… É escolher uma narrativa de cidade. O Porto é o território onde o Rio tenta se recontar, se modernizar e se vender para o mundo com um sotaque de futuro. O RioFW está usando isso como sinal de reposicionamento.

Só que o Porto também é um teste de honestidade. Se a semana de moda vira uma ocupação simbólica, mas não se conecta com produção, com formação, com formalização e com compra, ela vira espetáculo. E espetáculo sem consequência é espuma. O Rio sabe fazer espuma melhor do que qualquer lugar do planeta. A questão é se desta vez o Rio quer fazer estrutura.

Amir Slama – SPFW N60 – Foto: Ze Takahashi – @agfotosite

Interior máquina, capital hub, e o Estado como personagem inteiro

Uma plataforma estadual que nasce ancorada na capital tem uma responsabilidade extra: não tratar o interior como figurante. O Estado do Rio tem polos produtivos que funcionam como indústria de verdade e que, historicamente, ficaram fora do grande close. Se o RioFW quiser ser plataforma e não só vitrine, ele precisa se comportar como ponte entre o Rio da imagem e o Rio da produção.

A capital é forte em rede de imagem. É onde estão as engrenagens de produção cultural que alimentam publicidade, audiovisual, beleza, fotografia, styling, casting, conteúdo e entretenimento. Isso é moda também, porque moda é circulação de corpo e narrativa. E é por isso que o discurso institucional do RioFW fala tanto em internacionalização, lifestyle e cidade como mídia.

Mas imagem sem produção vira dependência. Produção sem imagem vira invisibilidade. O Rio, historicamente, oscilou entre esses dois extremos. Uma semana de moda séria é justamente o mecanismo que pode costurar os extremos. Só que semana de moda séria não é palco. Semana de moda séria é ecossistema.

A conversa pública sobre o RioFW já começou com duas palavras que, hoje, funcionam como teste de maturidade de qualquer plataforma que se diz séria: estratégia e sustentabilidade. Elas apareceram na sala, apareceram no pós-evento, apareceram na narrativa que se constrói ao redor de “calendário oficial”. O recado é bom: existe ambição de ir além do desfile, existe intenção de pensar o projeto como estrutura, existe vontade de alinhar o Rio a uma conversa global que já não aceita evento que só entrega foto bonita.

Só que aqui entra a parte que separa slogan de credibilidade. No mundo real, essas palavras só ganham corpo quando viram documento. Carbono neutro vira compromisso quando existe inventário, escopo, parceiro técnico e relatório. Comitê de estratégia vira governança quando se conhece composição, critérios e metas. Integração de calendário deixa de ser frase bonita quando se materializa em logística de mercado, programa para compradores, showroom, matchmaking e fluxo que gere negócio para além do post oficial. Transparência, nesse ponto, não é capricho. É proteção. Protege o RioFW do excesso de expectativa e protege o próprio Rio de virar refém de promessa que não se mede.

O momento que só o House of Models tem, e por que isso muda a temperatura do texto

Tem uma diferença enorme entre ouvir um anúncio no microfone e sentir um projeto no corredor. E foi exatamente nessa camada, fora do script, que rolou um momento que muda a temperatura da conversa. Eu, Fábio Lage, conversei rapidamente e de forma leve com Paulo Borges e Roberto Ethel, da Mktmix, uma das maiores assessoria do Brasil e que conhece por dentro o mecanismo do SPFW e, agora, também está nesse começo de RioFW. Foi papo de bastidor mesmo, aquele instante em que o evento deixa de ser “lançamento” e vira “como isso vai acontecer de verdade”.

Eu joguei uma ideia que o Rio carrega no DNA, mas às vezes trata como folclore quando deveria tratar como indústria: moda e Carnaval como plataforma internacional. E aqui eu não estou falando de tema turístico nem de fantasia para gringo tirar foto. Estou falando de engenharia cultural e econômica. Eu citei o Vogue World como referência porque ele entendeu uma coisa que o Rio domina quando resolve jogar no modo global: moda como espetáculo cultural com gramática de cidade, performance como linguagem de imagem, emoção como infraestrutura de desejo. O Rio tem samba, Carnaval, visualidade, artesanato, corpo, música e aquele talento raro de apresentar arte sem pedir desculpa. Quando isso é tratado com curadoria e método, não vira “bagunça”. Vira produto cultural exportável com assinatura… ui ui ui!

A reação foi imediata, e não foi sorriso educado, mon petit. Foi entusiasmo real. E eu registro isso aqui com transparência, porque jornalismo sério não esconde o contexto do próprio autor. Paulo chegou a me dizer, nesse clima de conversa, que gostaria de somar e mencionou a possibilidade de eu integrar ao conselho do RioFW. Eu não estou vendendo isso como cargo, nem como troféu, nem como “eu mando”. Estou registrando como fato do bastidor, com uma régua muito clara: se isso evoluir para participação formal, isso precisa ser comunicado com clareza, e a independência editorial segue intacta. O House of Models não existe para aplaudir microfone. Existe para cobrar consequência, inclusive quando o carinho é genuíno e a esperança é real.

E sim, eu tenho orgulho de ver a moda do Rio e do Brasil ser respeitada por nós mesmos, sem depender do carimbo da gringa para existir. Ui ui ui. Essa é a tese emocional que sustenta a tese econômica. Porque autoestima de cidade também é infraestrutura.

O que o Rio precisa para uma semana de moda de verdade

O RioFW vai ser julgado menos pelo cenário e mais pelo que publicar preto no branco. E aqui eu falo como editor implacável. Semana de moda séria precisa de critério claro para seleção de marcas, transparência sobre recursos e contrapartidas, desenho de negócios para quem participa e métricas públicas que não sejam só desejo com luz bonita.

Se o RioFW quer ser plataforma, ele precisa provar utilidade para o mercado. Isso significa programa consistente para compradores, showroom que funcione como ferramenta comercial, matchmaking com varejo e e-commerce, imprensa internacional com estratégia e meta verificável, agenda de conteúdo com propósito e uma ponte real com polos produtivos do estado, para o interior não virar figurino de discurso nem cenário de “vamos prestigiar”. Prestígio sem ponte é só foto, viu!

E precisa encarar o lado menos sexy, porque é ele que deixa legado. A promessa de formação profissional em áreas técnicas é excelente e necessária, mas no mundo real isso só vira impacto quando vira indicador público: quantas vagas, com quais parceiros, qual certificação, qual taxa de conclusão, qual absorção no mercado, qual efeito na formalização e na renda. Sem isso, “impacto social” vira estética. E o Rio, convenhamos, já tem estética sobrando. O que falta é estrutura que aguente a estética.

Revolução ou espuma, e o Rio já está velho demais para viver de trailer

O Rio Fashion Week nasce com ingredientes grandes: data, lugar simbólico, apoio institucional, curadoria associada a um nome que conhece muito bem o sistema, discurso de internacionalização e promessa de impacto econômico e empregos. O potencial existe… “boto fé”. Mas “calendário oficial” não se conquista por decreto, nem por manchete repetida. Se conquista por repetição, governança, transparência e uma obsessão saudável por consequência econômica.

O Rio já tem soft power. Agora precisa provar hard power. Cadeia, produção, negócio, métrica. Se o RioFW publicar metodologia, alinhar escopo, abrir critérios, criar ponte real com o interior produtivo, desenhar um programa de negócios sério e transformar promessa em indicador público, aí sim ele pode virar um novo capítulo do Rio como capital simbólica e econômica da moda brasileira. Se ficar só na estética do evento e na beleza do Porto, vai ser mais um trailer bem editado de uma série que nunca estreia.

E o Rio já está velho demais para viver de trailer… Atura ou surta, bebê.

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