Mon amour desse Brasil, antes de qualquer look, verdade na roda: esta reportagem chega atrasada no feed, mas no tempo certo da vida. Logo depois da SPFW N60, enquanto a cidade ainda digeria desfile, backstage, fila A e treta de camarim, eu, Fábio Lage, editor do House of Models, saí da Bienal direto para outra passarela: centro cirúrgico. O corpo pediu pausa, a rotina virou sala de hospital, repouso, medicação, e a cobertura que deveria ter sido diária precisou virar crônica, revisão e respiro.
Se você é leitor fiel do House of Models, já percebeu: os posts sobre esta edição histórica não vieram na correria do “postou-viralizou-esqueceu”. Vieram depois. Vieram com atraso assumido, com cicatriz fresca e com ainda mais compromisso de não tratar a maior semana de moda da América Latina como fast content. A SPFW completando 30 anos não merecia só um clipping apressado; merecia memória, análise, contexto, afeto e, sim, um editor inteiro… e eu precisei primeiro voltar a ser inteiro para conseguir escrever.
Então considere este texto como aquilo que a moda faz de melhor quando está no auge: ajustar o tempo. O calendário oficial já virou página, mas a história desta semana não venceu. Pelo contrário: agora que a poeira baixou, os boletos chegaram, o corpo sarou e o barulho do hype diminuiu, dá para ouvir o que a SPFW realmente está dizendo. E é aqui que o House of Models entra, com Vivax TV, Hedras Graf, câmera na mão do Arthur Hilário, microfone aguçado e zero medo de enfrentar o tempo com narrativa.
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Porque, honey, um evento que completa 30 anos não cabe em release apressado nem em thread de três stories.
Trinta anos de São Paulo Fashion Week cabem em quantos caracteres? Em quantas memórias? Em quantos gritinhos de “Ui ui ui” ecoando no Pacubra, nos galpões, nos vídeos, nas timelines? A SPFW é o desfile mais longo que este país já encenou: uma passarela onde brilham tops, colapsam egos, desfilam marcas e o babado, honey, nunca sai de moda. Entre o colírio do backstage e a ressaca dos boletos, este é um Brasil de tecido vivo: glam, crise, delírio e reinvenção. Atura ou surta, bebê.
Por Fábio Lage – House of Models
Reportagem especial House of Models + Vivax TV com Hedras Graf

Morumbi Fashion: quando o Brasil decidiu ser moda
Era um tempo de spray de cabelo, som de salto alto batendo no piso e audácia de quem criava um calendário sem saber que criava história. Paulo Borges, inquieto e sem medo de palco, pega a fagulha do Phytoervas Fashion e acende a fogueira do Morumbi Fashion Brasil em 1996. Nasce o calendário que faltava à moda brasileira, duas edições por ano, estruturas crescendo, marcas afinando discurso, imprensa aprendendo a cobrir o que antes era “só roupinha”.
Foi ali que o ofício de estilista virou negócio, que o casting virou profissão, que o backstage virou ciência com emoção. A plateia, que antes via desfile como evento pontual, passou a perceber que aquilo era sistema, era indústria, era roteiro de país. Em 2001, o nome troca de pele: São Paulo Fashion Week, mesma alma, mais ambição. O Brasil, finalmente, assume que tem borogodó na passarela e que não precisa pedir benção para ninguém para subir o volume do próprio estilo.

A mente cria, o país consome: nascem os ícones
Havia ousadia no ar. Havia suor, fita crepe, fita métrica, fita de vídeo. Havia Lino Villaventura esculpindo sonho, Herchcovitch amaldiçoando o tédio, Glória Coelho lapidando o futuro, Reinaldo Lourenço arquitetando silhuetas. E havia a plateia aprendendo a aplaudir conceito.
Cabia tudo: jeans nervoso, alta-costura tropical, beachwear com doutorado em desejo. A passarela virava laboratório, e o Brasil entendia, ainda que aos trancos, que moda não era só look bonito na sacola do shopping. Moda era linguagem, era discurso, era espelho torto e, muitas vezes, nada confortável. A indústria tímida começava a entender: moda é linguagem. E dá trabalho. Muito trabalho, mon petit.

A era de ouro: tops, teatro e tirar o chapéu
Chega a década da consagração e sim, o Brasil exporta tops como quem exporta café. É Gisele Bündchen levantando voo, Isabeli Fontana fazendo pose de eternidade, Carol Trentini com andar de metrônomo perfeito. O sobrenome vira marca, o rosto vira patrimônio visual do país.

As marcas viram vocabulário. A plateia lota, o desfile vira espetáculo, o Brasil descobre que pode, sim, aplaudir-se de pé. Os créditos sobem e o público quer saber quem assinou o figurino, a trilha, a beleza, o styling. O backstage vira território de mito.

E teve plot twist digno de cinema: Paris Hilton abre, volta e ainda puxa o finale da Triton em 2010. Se foi sobre roupa? A crítica que lute. O marketing abalou Bangu e o mundo olhou para cá. Glitter, clique, histeria. E um sinal luminoso: a SPFW não tem medo de espetáculo e sabe usá-lo quando precisa mexer no imaginário coletivo.

Mas nem só de celebrity cameo vive uma era de ouro. Em 2004, Jum Nakao costura o invisível com papel, rende filigranas, faz a plateia suspirar e manda rasgar tudo no finale. Um statement contra o descarte e a superficialidade. A roupa vira ideia, o aplauso vira silêncio, o silêncio vira mito. Lacrou antes mesmo de existir a palavra, muito antes da internet aprender a chamar isso de “performance”.

Da passarela ao país: quando moda fala verdades
Querides… veio recessão, veio patrocínio que trocou de lado, veio marca que saiu, voltou, sumiu. Veio internet faminta, veio see now buy now com pressa, veio pandemia trancando porta e abrindo janela digital. Veio live, veio filme, veio projeção urbana, veio plateia do sofá e também veio documentário. A SPFW deixou de ser só evento e virou plataforma, ideia, infraestrutura emocional do país fashion.

Diversidade deixa de ser tendência e vira cláusula moral, darling Lee. O TAC de 2009 tropeça até virar meta clara: mínimo de 50 por cento de modelos negros, afrodescendentes ou indígenas nos castings a partir de 2020. Convenhamos que isso não é décor, é reparação, mon amour. Mudou imagem, mudou ritmo, mudou o espelho… e arrasou.

Quando a porta abriu, as histórias entraram juntas: corpos diversos, vozes trans, indígenas trazendo tempo ancestral para o palco contemporâneo. Tatuagem, cicatriz, vitiligo, gordofobia confrontada, cabelo crespo sem pedir licença. É estética, é política, é mercado, é pertencimento. A beleza fala múltiplos sotaques do Brasil real. Ainda tem ranço para curar, mas ninguém mais acredita na fantasia de fingir Paris quando o CEP é Barra Funda, Pinheiros, Vila Leopoldina, Centro.

A engrenagem invisível
Mon petit de Xique-Xique, backstage bom tem cheiro de laquê, barulho de zíper, prece de costureira ninja. É onde stylists desenham sentido entre cabide e corpo, beauty artists definem década com delineador, PR transforma doze minutos em doze meses de narrativa.

Da escola Duda Molinos ao glow clínico de Maxi Weber. Da dramaturgia jeans da Ellus ao tropical fino da Osklen. Do salto que emperra na passarela à modelo que salva o look na raça. Quando dá tudo certo, parece fácil. Não é. É engenharia emocional, baby… O PR Celso Floriano que o diga!

Por trás de cada desfile tem produtor que não dorme, assistente que corre, motorista que espera, camareira que ajusta barra na última hora, equipe de som e luz afinando clima, cinegrafista caçando o ângulo certo. É o exército invisível que faz o país acreditar que aquilo é só glamour, quando, na verdade, é suor sistematizado.

SPFW como motor do Brasil
Cada edição movimenta aproximadamente um bilhão e meio de reais. Mais de dez mil profissionais ativados. Turismo, mídia, hotelaria, fornecedor, motorista, camareira, iluminador, editor, modelo, stylist, costureira. Moda é economia real, não é fantasia, honey.

Paulo Borges repete, à beira dos trinta anos, que moda não é feed, é fórum. Não é lacração de reels, é lastro histórico. “Sustentabilidade” virou critério de existência. Diversidade virou estrutura, não adereço barato. Brasil ecoa não só no look, honey Lee de Taguatinga Sul, mas no processo… entende? No contrato, na ficha técnica, no casting, na escolha de tecido, no patrocínio que entra e no que decide sair.

Paulo Borges, Hedras Graf e a lente do agora
E aí, mon amour, entra nosso top apresentador Hedras Graf com a coragem de quem aponta microfone para quem construiu o chão… pavimentou a semana de moda tupiniquim: Paulo Borges, ao vivo, pulsando SPFW N60, para o House of Models e Vivax TV. Não como personagem, mas como maestro. E ele não entrega soundbite fácil. Ele entrega pensamento.
O discurso é denso, é histórico, é quase tese de mestrado dita no calor do último dia de evento. E merece ser ouvido com calma, lido com atenção, revisitado fora do barulho do feed.

Em celebração aos 30 anos do evento, um marco tão especial, é notável o papel fundamental de Paulo Borges, que atua nos bastidores, impulsionando a realização. Estes momentos são preciosos para a moda e para todos nós, que fazemos parte desta história. Trinta anos representam não apenas um marco especial, mas um momento triunfante.

SPFW N60 – Foto: Marcelo Soubhia – @agfotosite
“A moda, como um sistema, reflete as diversas adversidades do mundo, sejam políticas, bélicas ou econômicas. Todas essas influências afetam a moda em seus aspectos criativos e econômicos. Frequentemente, ouve-se que a moda está sem graça, mas é preciso olhar ao redor, observar o que está acontecendo. Percebo que um novo movimento está em curso, algo que discutimos há um ou dois anos. Costumo dizer que o pêndulo está em movimento, oscilando. O pêndulo da moda começou nos anos 90, e agora, acompanhando as transformações do mundo, vejo-o retornar.” diz Paulo Borges, que ainda completou:

“Uma mudança poderosa está em andamento, e aprimorar o curso desse pêndulo global depende das escolhas que fazemos. Em meio a conceitos de extrema direita e conservadorismo, acompanhados de restrições, é crucial nos mantermos firmes. Simultaneamente, o pêndulo retorna com força, impulsionando o progresso. A Semana de Moda de Paris, por exemplo, demonstrou essa energia, renovada e vibrante, trazendo sonhos à tona. Este mesmo espírito se manifesta aqui. Tenho trabalhado arduamente por dois anos para que esta edição alcance o sucesso que vemos hoje. A concretização de um evento como este demanda planejamento, pesquisa e dedicação.”
Entrevistado no ultimo dia do evento, Paulo reflete sobre o momento atual da SPFW, para o nosso apresentador Hedras Graf. “Chegamos ao último dia da semana, com importantes apresentações ainda por vir. No entanto, nos corredores, entre a imprensa e amigos da moda, ouço que esta edição é uma das melhores dos últimos 15 anos.”

“Para que se compreenda a dimensão do São Paulo Fashion Week, estima-se que 45 a 50 mil pessoas compareçam a cada edição. Além disso, há mais de 11 mil profissionais envolvidos, considerando empregos diretos e indiretos, incluindo as equipes dos patrocinadores. Ao longo de 30 anos, com duas edições anuais, podemos dizer que o evento impulsiona um país. A moda representa a terceira maior economia do Brasil e a indústria que mais emprega mulheres, contribuindo significativamente para a estrutura familiar e a configuração do país.” Revela o idealizador da SPFW.
“Um dos nossos maiores orgulhos é a participação de 13 estilistas das regiões Norte e Nordeste. No início do São Paulo Fashion Week, tínhamos estilistas principalmente de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.”
Visionário, Paulo Borges frequentou por anos a Semana de Moda de Paris, com a finalidade de compreender como funciona a engrenagem de uma das semanas de moda mais badalada do planeta fashion. “A visão de longo prazo sempre existiu. Desde o princípio, a ideia era clara. Durante dez anos, frequentei Paris, nos anos 80 e início dos 90. Continuei indo, mesmo após iniciar o SPFW em 95, com a primeira edição em 96. Nesse período, testemunhei os bastidores da moda, acompanhando um fotógrafo. Registrei tudo, desde os ensaios até os desfiles, absorvendo cada detalhe.”
Darling Lee, se você acha que é facil realizar uma das maiores semanas de moda do mundo, pode tirar seu cavalinho da chuva… o babado é hard. “Quando decidi criar uma semana de moda, sabia exatamente como fazê-la, adaptando-a às necessidades do Brasil, com suas dimensões continentais, sua diversidade regional, cultural e econômica. Reconheço que ninguém, nem eu, sabia como realizar uma semana de moda daquela magnitude. Mas é no caos que a criação floresce. Na segurança, na estabilidade, a inovação estagna.”
“O SPFW foi construído no território do risco e do improvável, exigindo o esforço de todos os envolvidos. Considero-o a casa da moda, um espaço para estilistas, modelos, agências, jornalistas, editores, stylists e tantas outras profissões que surgiram a partir da nossa iniciativa. A moda também impulsionou o desenvolvimento do jornalismo especializado e a profissionalização das agências de modelos. Tudo isso foi construído com a colaboração de muitos. Eu tinha o conhecimento, mas precisei compartilhá-lo para que todos pudessem trilhar o mesmo caminho. Essa é a história, o empreendedorismo e a arte em ação.”

Glitter, alma e Brasil… e por que estamos publicando agora
Trinta anos depois, a SPFW é radiografia cultural desse Brasil tão vasto e diverso. É novela infinita. É altar e é chão. É o Brasil tentando ser país e passarela ao mesmo tempo.
Publicar esta matéria semanas depois do último look cruzar a passarela não é “atraso”, é escolha editorial. Em um mundo em que o algoritmo aposenta um desfile em 24 horas, decidir olhar para a SPFW N60 com calma, corpo curado e memória ativa é quase um ato de resistência. Enquanto eu me recuperava da cirurgia, revendo vídeos, ouvindo de novo a fala de Paulo Borges, revisitando as entrevistas babadeiras do Hedras, ficou ainda mais claro: esta edição não é só mais um evento que aconteceu; é um ponto de virada que ainda está acontecendo dentro da cabeça de quem realmente presta atenção.
O House of Models não está aqui para disputar furo de stories, está aqui para sustentar arquivo, pensamento, repertório. Esta reportagem é o capítulo zero da nossa cobertura da SPFW N60, o prólogo necessário para você entender tudo o que vem a seguir: análises look a look, entrevistas, bastidores, recortes regionais, o impacto dos 13 estilistas do Norte e Nordeste, os novos rostos das passarelas, as tensões entre mercado e sonho, entre risco e sobrevivência.
Quando o próximo desfile começar e a próxima modelo virar a curva, a lição permanece clara: moda não é fuga, bebê… é enfrentamento com beleza. A SPFW fez 30 anos, eu atravessei uma cirurgia, o país atravessa crises, e mesmo assim a passarela continua sendo esse lugar estranho e mágico onde o Brasil testa jeitos de existir.
Atura ou surta, honey Lee de Araxá. A cobertura da N60 pode ter saído do cronograma, mas entrou para a história. E é aqui, no House of Models, que a gente vai contar tudo, com glitter, sangue, análise e muito, mas muito, Brasil.
Foto: Divulgação
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