Milton Nascimento virou tecido, Minas Gerais virou milagre. Ronaldo Fraga, no auge dos 30 anos da SPFW N60, lembrou brilhantemente à moda brasileira que roupa pode ser altar, procissão, memória, território e flecha apontada para o futuro. Sim, mon amour de Três Pontas, aqui não teve tendência para agradar algoritmo de rede social. Teve fé, fibra, ferro, barro, lágrima e o rumor ancestral de uma nação costurada nas mãos de quem sabe o peso de ser Brasil. Atura ou surta, bebê, porque quem não chorou no teatro do Museu da Língua Portuguesa esse dia perdeu mais do que um desfile, baby. Perdeu um grande show... Ui, ui, ui!
Por Fabio Lage – House of Models

Convenhamos, honey Lee de BH; Ronaldo Fraga entrou na edição histórica da SPFW N60 com a tranquilidade de quem não precisa provar nada para ninguém. Enquanto meia dúzia de marcas ainda tenta viralizar com recorte de TikTok e styling que grita “olha pra mim”, Fraga chegou silencioso como noite no sertão e saiu ovacionado como missa de domingo em Ouro Preto. Ui ui ui. A passarela virou estrada de terra, altar de procissão, trilho de maria-fumaça. Quem tem repertório, entendeu. Quem não tem, corre no Google, mon amour, porque hoje o babado é denso.
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A coleção pousou como oração em tecido. Tecidos tingidos nos amarronzados do minério. Tafetá e linho como altares de pano. Jeans erguendo memórias como pilares coloniais. Nada de brilho plástico desesperado. Aqui o ouro é o que Minas esconde nas entranhas, não o que fast fashion tenta vender como luxo. Fragmentos de céu azul que anoitece no sertão e laranjas que anunciam o fim do dia. Milton Nascimento como guia espiritual, voz que é chão, céu e montanha, como o próprio release declarou. O Brasil que canta dor e cura na mesma nota.

As roupas praticamente Caminharam em cortejo. Saíram como quem leva promessa, sabe? Como quem anuncia nascimento. Como quem enterra passado colonial e borda futuro com mão negra, feminina, interiorana, real. Nada de Europa ensinando Brasil a ser fino. Aqui é Minas ensinando o mundo a ter alma.

E vamos aos detalhes para quem gosta de entender costura e não só filmar sapato com flash no Instagram (e atrapalhar o amiguinho que assiste do lado). Bordados richelieu e ponto-cruz fiados pelas meninas de Barra Longa no projeto Casa Bordada, ressurgidas como fênix de lama e tragédia que o Brasil fingiu esquecer. Tramas de crochê que se entrelaçam no Crochetaí-vos de Barão de Cocais. Linhas que viram oração na mão de Stella Guimarães de Itabira e de Delvania de Sete Lagoas. Canções bordadas por Milena Curado em Goiás Velho. Cada peça com alma, suor, pele, território, cicatriz. Quem não enxerga isso nunca vai entender porque Ronaldo não faz roupa: ele devolve dignidade para o tecido e para nós.

Na beleza, Marcos Costa pintou auréolas de luz que desciam pela testa como benção, meteoro, antena com o divino, como as serras mineiras. Natura como parceira, LC Cenografia como cenário e silêncio respeitoso em volta. Na trilha, Fraga e Ronaldo Gino teceram Milton como quem costura rosário. Do outro lado da sala, fashionista que só veio tirar lookinho descobriu que existe vida além da Fendi Baguette. E chorou escondidinho. A gente bem viu…

O casting abençoou a noite paulistana. A abertura de Rafa Fonseca, sólido como estátua barroca com fogo interno aceso. Carmelita Mendes com gravidade de templo de Aleijadinho. Liya Santos, ela mesma, triunfo da nova era brasileira, modelo trans recordista, pisando com verdade e transcendência. Mari Felix como poesia. Elle Maciel intensa. Mikaela Gomes, Dandara Queiroz, Nathália Alexandra, Matheus Marques, Alessandra Belic e então ela. Bárbara Fialho. O altar. O silêncio reverente. O fechamento que fez até o mais blasé fashion cry baby repensar a vida… Abalou Bangu e adjacências, honey.

E as roupas? Ah, mon amour, segura. Vestidos como sinos. Crochês como veias vivas. Patches, estrelas, luas, pássaros, memórias de infância e sonhos de avó. Calças amplas como estrada de terra. Blusas que pareciam carregar canto dentro das fibras. Tons de barro, de folha, de céu, de noite mineira. Mãos. Muitas mãos. E pés que calçam sapatos de quem percorreu trilha longa, de quem sabe que glamour não é brilho, é história.

Ronaldo entregou o desfile que sintetiza três décadas de SPFW. Ele nos lembrou que moda brasileira não nasceu para copiar Paris nem para servir moodboard gringo que descobre o Nordeste a cada três anos. Moda brasileira é barroco e bumba-meu-boi. É crochê e cosmos. É lágrima e riso. É o corpo preto e indígena criando estética antes de existir cátedra europeia para validar. É Minas dizendo “não precisamos de tradução”.
– Stop “Salgadinhô”!

E teve humor, claro, porque o Brasil não sobrevive sem ironia. Não teve logo gigante nem sneaker para a trend do momento. Teve alma. E isso, honey, não se compra na Farfetch.

E quando terminou, honey, não era só aplauso, tá… Era culto, baby. Era o país tentando respirar de novo. Era a lembrança de que, antes da dopamina digital, existia emoção real. Antes de hype, existia história. E antes de toda esta moda ansiosa, existia um menino chamando Deus nas montanhas de Minas com voz que atravessa séculos.

Ronaldo Fraga provou de novo que ele não faz roupas. Ele faz pertencimento. Ele faz lembrança. Ele faz oração. Ele faz futuro com linha antiga e vontade nova. Ele borda aquilo que o Brasil vive tentando esquecer: que somos profundos, vastos, felizes, tristes e luminosos como Minas ao entardecer.

Se tem tendência aqui? Tem sim. Tendência de respeitar quem costura nossa identidade. Tendência de voltar a sentir. Tendência de parar de uivar para o algoritmo e voltar a rezar para a arte. Babado forte. Anota aí para sua pós-graduação no FIT do Bixiga.

Que fique registrado. No aniversário de 30 anos da SPFW, quando muitos correram atrás de hype, Ronaldo Fraga entregou legado.

E nós, do House of Models, vestimos fé e dissemos amém.
Foto: Ag. Fotosite
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