A Cultura Periférica no Banco dos Réus: Quando a Moda Dança entre o Preconceito e a Oportunidade

Por Fábio Lage House of Models

“Eu só quero é ser feliz… andar tranquilamente na favela onde eu nasci… e poder me orgulhar de ter a consciência que o pobre tem seu lugar…”

Esse refrão, mon amour do céu, não é só um hit. É um hino não-oficial de um Brasil que pulsa do asfalto rachado aos becos onde o Wi-Fi falha, mas a esperança resiste. É grito e resistência, é poesia com cicatriz, é arte que sangra e dança.

Se você já cantou isso no seu after de Copacabana ou viu viralizar no seu feed polido, talvez não tenha sentido o peso que ele carrega. Porque essa frase não nasceu pra entreter… nasceu pra denunciar. E quando incomoda, é porque está fazendo efeito.

Quando a favela é cool lá fora e criminalizada aqui dentro…

Enquanto lá fora o som da favela é celebrado como a nova linguagem do pop global, aqui dentro ainda é tratado como sinônimo de criminalidade. Não por acaso: o funk, assim como outros ritmos periféricos, retratam a realidade da favela sem maquiagem, sem autocensura, sem filtro de social media. E a elite brasileira simplesmente não sabe lidar com uma narrativa que não cabe na legenda do Instagram.

Foi o que vimos no caso recente da capa da revista Dazed, estrelada pelo rapper Oruam. Um talento do Complexo do Alemão, Oruam virou manchete por estampar a capa da publicação britânica e, ao mesmo tempo, ser cancelado aqui mesmo, no próprio país que gerou sua arte. A marca Osklen, ao repostar a capa com entusiasmo, recebeu críticas de parte do público mais conservador — e apagou o post como quem apaga a própria vergonha de classe.

“Não estamos apoiando a pessoa retratada.”

Essa foi a justificativa pública da marca. Mas o que ficou no ar foi o silêncio ruidoso de uma moda que se diz sustentável, mas se desfaz em segundos diante da complexidade de uma história de vida. Oruam não precisou fazer nada — bastou existir, com um sobrenome que carrega histórico criminal, para ser condenado mais uma vez.

A resposta do rapper foi certeira: “Racismo escancarado.” E não há argumento de branding que anule essa verdade.

MC Poze e o crime de cantar sua verdade

Outro caso emblemático é o do MC Poze do Rodo, preso em maio de 2025 sob acusações de apologia ao crime e associação ao tráfico. Nenhuma arma, nenhuma prova concreta. Apenas letras de funk, vídeos de ostentação e… o lugar onde nasceu.

A prisão foi cinematográfica — algemado, descalço, sem camisa, na frente dos filhos, num condomínio de luxo. E o motivo? Retratar, em suas músicas, a realidade que viveu. Como se cantar a própria trajetória fosse um atentado contra a moral.

A sociedade que aplaude filme sobre máfia e dá risada de série sobre narcos não tolera quando um preto da favela rima sua história sem pedir desculpa. Poze foi libertado dias depois, mas o recado já havia sido dado: a arte periférica ainda é julgada mais pelo CEP do que pela métrica.

Rabanne e o elenco que fez a moda global sambar no compasso do tamborzão!

Enquanto algumas marcas correm pra deletar postagens ao menor sinal de desconforto da elite branca conservadora, outras simplesmente botam o mundo pra sambar… literalmente, honey!

A grife francesa Rabanne entendeu que o funk não é só trilha sonora: é estética, é pulsação cultural, é identidade. E, em vez de apenas flertar com a favela como quem passeia num ensaio fotográfico de “diversidade estratégica”, a marca abraçou de verdade o que muitos ainda têm medo de olhar de frente.

O resultado? Um casting repleto de nomes que personificam a resistência e a beleza real das quebradas brasileiras. Gente como Tau Camelo, com sua força afropunk urbana; Matheus Lacerda, que transforma imagem em poesia de atitude; Camilan, que literalmente botou a Rabanne pra sambar com sua energia arrebatadora; Jade de Santos, puro impacto visual e político; WB Negão, que carrega o peso e o poder do funk em cada clique; e Obeguar, também integrante do elenco da icônica capa da Dazed — sim, aquela que causou terremoto fashion nas redes brasileiras.

Esses nomes são muito mais que modelos, darling Lee de Salvador: são narrativas ambulantes. São corpos que contam histórias de luta, criatividade e afirmação. Eles não estão apenas ocupando espaços, estão destruindo estruturas ultrapassadas, uma pose de cada vez.

A Rabanne, ao apostar nesse elenco, não fez caridade, baby… fez história. Porque em tempos de cancelamento e hipocrisia corporativa, colocar esses corpos em evidência é uma escolha política. E uma que a gente aplaude de pé.

Reserva, AfroReggae e a escolha de olhar para o humano por trás da manchete

Em 2010, em meio à ocupação do Complexo do Alemão, um fato inesperado parou a imprensa: um jovem traficante se rendeu à polícia usando da cabeça aos pés roupas da marca Reserva, de Rony Meisler. O registro virou imagem de capa de jornais — e também poderia ter virado uma tragédia para a reputação da marca.

Com apoio de José Júnior, fundador da ONG AfroReggae, a Reserva decidiu acompanhar a trajetória do rapaz após sua libertação. Seu nome? Diego Santos, também conhecido como Mister M, ex-líder do tráfico que, depois de preso, virou símbolo de superação. Foi acolhido pelo AfroReggae, trabalhou como cinegrafista e virou garoto-propaganda da própria marca que vestia no momento de sua prisão.

O que poderia ter sido o maior dano de imagem de uma grife aspiracional se tornou o catalisador de um novo posicionamento: a moda a serviço da transformação social. A partir dali, a Reserva passou a vincular sua comunicação a projetos de impacto real. Nada de collab sem propósito ou publi genérica de “diversidade”. Foi na vida real que a marca mostrou que é possível construir pontes onde antes havia abismos.

E cá entre nós, mon amour, isso é mais revolucionário que qualquer desfile na Semana de Moda de Milão.

Anitta e a subversão do Rock in Rio: o funk no topo

E quando o assunto é subversão inteligente, quem reina é Anitta. Ela não apenas empurrou o funk para o palco do Rock in Rio, honey Lee do Amapá, mas o transformou em protagonista. Sem pedir permissão, sem fazer concessões. Anitta levou o tamborzão para o mundo e deixou claro: o pop internacional agora dança ao ritmo da favela brasileira.

Darling, sua presença nos maiores palcos globais vai muito além de performance — é puro manifesto. É o funk furando bolhas, derrubando portões e ocupando espaços historicamente negados à cultura periférica. Ela não abriu caminho, ela escancarou a porteira.

O espelho que a moda insiste em não encarar

Todos esses episódios revelam um ponto crucial: o funk não é o problema, querides. O problema é o espelho que ele oferece. O funk obriga a sociedade — e a moda, especialmente — a se encarar. Sem filtro. Sem photoshop. Sem curadoria de feed.

A indústria fashion adora um “streetwear”, mas teme a rua de verdade. Gosta de estampar negritude na passarela, mas cancela o rapper assim que o sobrenome assusta o patrocinador. A moda brasileira precisa urgentemente decidir: vai continuar reproduzindo o elitismo travestido de lifestyle ou vai usar sua plataforma para amplificar vozes reais?

Foto: Reprodução