Oruam para DAZED: O Dia em que a Rebeldia Pintou o Cabelo de Vermelho e Deu Close Internacional

Por Fábio LageHouse of Models

Ui ui ui, mon amour da Cidade de Deus… Quando a moda internacional resolve mirar suas lentes pra uma figura do underground brasileiro, já sabemos: vem lacre, vem treta e vem assunto pra mais de metro. E a Dazed não decepcionou. A capa de junho da publicação inglesa chega como um tapa na cara da sociedade tupiniquim — daqueles que ardem e deixam a marca — ao colocar em destaque Oruam, o rapper brasileiro que vem incendiando o sistema com rima, presença e, claro, aquele cabelo vermelho que virou código de resistência.

Mas, se você acha que estamos só falando de mais um funkeiro com ego inflado e visual excêntrico, senta que lá vem história, honey Lee de Xerém. Porque Oruam não é personagem — ele é consequência. E, como toda consequência, não nasceu do nada: é filho do Brasil que não aparece no editorial da Folha nem no lookbook da Fendi. Ele é cria de um país desigual, de uma juventude que tem que fazer da dor um megazord pra não afundar. E é isso que a Dazed resolveu imprimir — literalmente — em suas páginas.

Cabelo em brasa, verso em pólvora: a estética do incômodo

Logo na capa, Oruam aparece cercado por jovens de cabeças igualmente vermelhas. A imagem é potente, direta, quase um statement visual: um exército de clones afetivos, todos marcados pelo mesmo tom de rebeldia. Mas nada ali soa como um marketing vazio. É identidade. É estética como armadura. É o “nós por nós” traduzido em imagem.

A fotografia de Pedro Napolinário, o styling afiado de Natasha Ribas e a beleza precisa de Bento Dias elevam o rapper a símbolo. Não de um hype passageiro, mas de uma nova cartografia cultural. A imagem não pede permissão, ela invade. E se você sente desconforto, parabéns: era esse o ponto.

Mauro, o filho do tráfico, e Oruam, o poeta da selva

Nascido Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o rapper carrega no RG o peso de ser filho de Márcio Nepomuceno — vulgo Marcinho VP — um dos nomes mais conhecidos (e temidos) do narcotráfico brasileiro. Mas enquanto muitos esperavam que o filho seguisse os passos do pai, ele deu uma volta de 360º — e caiu no palco.

O rapaz nasceu em 2001. Quando tinha nove anos, sua mãe também foi presa. Cresceu entre ausências, traumas e o caos das vielas. Mas foi justamente ali, no miolo do caos, que floresceu sua poesia. Aos 16, leu um poema no lançamento do livro do pai — e ali, entre aplausos e olhares, percebeu: o palco era sua trincheira.

“Lei Anti-Oruam”: quando a arte vira ameaça

A ascensão de Oruam é tão impactante que virou alvo legislativo. Sim, o Brasil não decepciona em nos lembrar que viver intensamente por aqui é, por si só, um ato político. Um projeto de lei apelidado de “Lei Anti-Oruam” propõe cortar financiamentos públicos de artistas que supostamente glamorizam o crime.

Mas vamos falar a real? Isso é medo. Medo de um jovem preto, da favela, que escreve melhor do que muito colunista de portal. Medo de um artista que tem engajamento maior que partido político. Medo de quem não precisa passar pano — porque esfrega na cara.

Mainstreet, favelas e fúria digital

Com hits ao lado de Chefin, Raffé, Jhowzin e companhia, Oruam logo foi cooptado pela gravadora Mainstreet, que hoje é quase um selo de qualidade do trap nacional. Seu primeiro álbum, “Liberdade”, foi lançado um dia depois de ser preso por driftar na frente da polícia. E a capa? Ele e a família, todos com camisetas estampadas com o rosto do pai. Um beijo pra quem chama isso de marketing — aqui, a imagem é cicatriz.

Em 2024, convocou um desfile de motos em pleno aniversário e virou notícia em horário nobre. Não porque causou — mas porque sua existência causa.

Psicologia, fé e funk proibidão: o homem por trás do mito

Oruam estudou psicologia. Não pra entender os outros — mas pra tentar entender a si mesmo. Criado no evangelho, com uma irmã cantora gospel e uma mãe que o chamava de “futuro patrão”, ele navega entre opostos com a mesma fluidez que move suas letras. Canta sobre angústia, fé, luto, amor e guerra. Porque na favela, tudo isso acontece ao mesmo tempo, mon petit.

Suas referências vão de Justin Bieber a versículos bíblicos. E sua estética mistura Chanel com Nike, Copboyz com Osklen, como quem diz: a moda é minha, o look é meu e o palco também.

Quando o vermelho não é só cor: é código

Nas imagens da Dazed, o vermelho flamejante aparece como uma identidade coletiva. Meninos de torso nu, corpos negros, cabelos pintados e olhares desafiadores. Uma coreografia silenciosa de insubmissão. É moda? É arte? É protesto? É tudo isso — e mais.

Ao empunhar câmeras como se fossem armas (literalmente, em um dos cliques), Oruam e seus pares falam de narrativa. De disputa de imagética. De inverter o jogo onde sempre foram alvos. E agora, são lentes. São foco. São disparo.

Anti-herói com coração gospel e verso amolado

Na entrevista, ele admite: ainda sente nervosismo antes do palco. Mas vai mesmo assim. É aí que mora o anti-herói. O que não se esconde atrás da perfeição, mas se revela no caos. O que não precisa salvar ninguém — mas salva, porque é verdadeiro.

“Eu gosto de cantar a tristeza. Tristeza é conceito.”

E Oruam, que poderia ter escolhido calar, decidiu ser megafone. Não fala só por ele — fala por uma geração inteira que cresceu ouvindo tiro e devolvendo rima.

O que vimos nas páginas da Dazed é um momento histórico. Oruam representa o Brasil que incomoda — e que por isso mesmo, precisa ser exaltado. A moda que nasce da rua, a beleza que afronta, a arte que assusta os engravatados.

E se pintar o cabelo de vermelho é crime… Então que prendam todos nós. Porque o crime aqui é ignorar o poder de um jovem preto, favelado e genial, que decidiu rimar o Brasil com fogo.

Babado? Não. Isso é revolução capilar e cultural.

Foto: Pedro Napolinário