Entre Sonhos e Negócios: A Farsa dos Castings na Indústria da Moda!

Por Fábio LageHouse of Models

Ui ui ui, mon amour… Sabe aquele momento em que a modelo gira o corpo e sorri para uma mesa de olhares apáticos enquanto tenta, em 12 segundos, provar que merece estar ali? Pois é. A mística do “casting” parece sedutora para quem está de fora. Mas nós, que colocamos o salto onde o sistema pisa, sabemos: o que acontece ali é mais do que triagem — é o primeiro ritual de exclusão da indústria da moda.

Backstage Misci 2025 – Foto: Leca Novo

Você acredita mesmo que o casting é sobre técnica, presença ou estética? Que ganha quem “brilha mais”? Ai, bebê… a moda pode até vender esse discurso em post de diversidade no feed, mas nos bastidores, o buraco é mais embaixo — e o funil, mais afiado.

Este artigo é o primeiro capítulo de uma série investigativa do House of Models que vai desmontar, com provas, relatos e indignação estilizada, os mecanismos que mantêm as passarelas cheias de beleza e vazias de justiça. Porque o que não falta é modelo excelente sem espaço — e modelo ruim com sobrenome em destaque.

Backstage Misci 2025 – Foto: Leca Novo

O Casting Não É Um Casting, É Uma Vitrine de Privilégios

Se você já viu algum casting acontecer — seja em São Paulo, Paris ou Nova York — já sabe o que é assistir ao “The Hunger Games” da moda: meninas empilhadas em silêncio, com seus compcards e seus sonhos suando dentro do scarpin número 39. Os jurados? Diretores de casting exaustos, stylists distraídos e clientes que decidem a coleção inteira com base em um “ela tem uma vibe”.

LINI – Coleção ERAS – Foto @Ze_Takahashi

Vibe? Mon amour, quem define vibe é playlist, não currículo de modelo. E nessa onda, os critérios viram fumaça: uma tem o rosto “forte demais”, outra é “a cara da última temporada” (e isso é ruim, tá?). A terceira? Tem o defeito de ser… comum. Ou seja: não é o bastante para ser escolhida, mas é perfeita para ser descartada sem culpa.

E enquanto centenas de modelos enfrentam maratonas de castings, algumas sequer precisam comparecer. Sim, bebê. Tem modelo que “já é da marca”, “é queridinha do stylist”, “é filha de alguém”. A elite do nepotismo fashion opera com crachá de acesso livre ao backstage — o resto dança com a trilha de “tenta de novo na próxima temporada”.

Backstage Misci 2025 – Foto: Leca Novo

O Nepobaby Entra Pela Porta da Frente. E Nem Precisa Desfilar Bem.

A explosão dos nepo babies (filhos de famosos) nas passarelas virou regra, não exceção. Já reparou como a maioria dessas estreias “badaladas” não passam por processo seletivo real? É tudo no camarote do fashionismo: já chegam com look escolhido, flash direcionado e nota pré-pronta em site de fofoca.

Enquanto isso, modelos profissionais de carreira — que ralaram anos entre São Paulo, Londres e Nova York— ficam no banco de reservas de uma profissão que exige tudo delas, mas entrega migalhas. Elas aprendem a desfilar, a posar, a falar com imprensa, a manter o IMC, a ouvir não — e ainda perdem o lugar para quem tem um sobrenome e uma gestão de imagem.

O resultado? Modelos profissionais se transformam em coadjuvantes de campanhas estreladas por rostos virais. E quem ousa questionar é taxada de invejosa, difícil ou ultrapassada.

LINI – Coleção ERAS – Foto @Ze_Takahashi

Casting com Diversidade Fake é Só Um Look Temático

A palavra “diversidade” virou a queridinha dos briefings publicitários — mas nos castings, a pluralidade termina no release. Ainda há uma limitação cruel para corpos gordos, peles não brancas, traços indígenas, rostos envelhecidos, identidades trans e pessoas com deficiência.

Marcas usam modelos negras para uma ou duas fotos e dizem que estão sendo “inclusivas”. Chamam uma modelo plus size só quando querem passar “mensagem de aceitação”. E se a modelo tem deficiência, já ouviu essa aqui? “Ah, ela é linda, mas o cliente não está preparado ainda”.

Ah, tá. O cliente não está preparado. Mas tá preparado para usar essa imagem em campanha de outubro rosa, de orgulho LGBTQIA+ ou para viralizar no Reels do Dia da Consciência Negra, né? Hipocrisia fashion nunca sai de moda.

Modelos indígenas ainda são tratadas como “exóticas”. Modelos gordas são chamadas “só se o look couber sem ajustes”. E modelos trans ainda enfrentam silêncio constrangedor na sala — ou, pior, são fetichizadas com frases como “tem um quê andrógino” ou “ela segura o look masculino e o feminino”. Ah, mon chéri… segura tuas falas que a gente segura a pauta.

Reptilia – SPFW N59 – Foto: Gustavo Scatena – @agfotosite

O Trauma do ‘Não’ Sem Explicação

A rejeição sistemática é mais cruel do que parece. Modelos iniciantes relatam saírem emocionalmente destruídas de rodadas de castings onde sequer foram olhadas. “Desfila aí. Vira. Mostra o perfil. Obrigado.” Sem contato visual. Sem empatia. Sem retorno.

O processo é tão frio que transforma meninas e meninos de 16, 17 anos em adultos calejados antes da hora. Um “não” atrás do outro, sem justificativa, vai minando a autoestima, corroendo a autoconfiança e gerando distúrbios alimentares, depressão e ansiedade.

“Fui a 12 castings em Paris numa manhã. Ninguém me disse nada. Na agência, a resposta foi ‘tem que sorrir mais e parar de comer pão’. Eu só queria dormir.” — depoimento real colhido durante a temporada outono/inverno 2023

As Agências São Vilãs ou Cúmplices?

O papel das agências varia — algumas cumprem função protetiva exemplar, outras agem como atravessadoras predatórias. Jogam modelos em rodadas de castings mal explicadas, sem alimentação, sem condução, sem sequer saber se a cliente está procurando perfis como o da menina enviada.

Muitas vezes, modelos servem apenas para “encher sala”. O cliente quer volume para parecer que houve escolha real, mas a vaga já está fechada há dias. Ou seja: humilhação gratuita como bônus de um contrato mal gerido.

E as agências que não cobram postura profissional de diretores de casting? Que aceitam que suas modelos sejam filmadas, julgadas e até hostilizadas sem intervenção? Essas deveriam responder também. Porque se o modelo é descartável, é porque alguém lucra com isso.

O Perfil do Diretor de Casting: Deus, Dono e Despachante

Existe uma cultura de “estrelato silencioso” nos bastidores do casting. Diretores de casting se tornaram mini-celebridades, com poder de alavancar ou aniquilar carreiras com uma piscadela. E como ninguém ousa desagradar essas figuras, elas ganham poder ilimitado.

Alguns são talentosos, criativos e comprometidos com inclusão. Outros são tiranos disfarçados de trendsetters. Estabelecem panelinhas, favorecem amigos, distribuem vaga por influência. E criam a cultura do medo: quem ousa discordar, some da próxima lista.

Casting virou moeda social, não seleção técnica. E a moda segue fingindo que não vê, porque o desfile precisa acontecer — e a verdade atrapalha o cronograma.

MISCI – Coleção TIETA – Verão 26 – Foto: @Ze_Takahashi

Mas Tem Gente Fazendo Certo (E a Gente Vai aplaudir!)

Desfiles como o da LINI, com parte do casting assinado por Gabriel Fernandes e Julia Moraes (GaJu), provam que é possível montar um casting com pluralidade real, respeitando corpos, origens e narrativas. A Mega Model Brasil, sob a gestão de Roberta Rizzardi, também tem se posicionado fortemente em defesa de modelos periféricos e de origens diversas. E um exemplo de casting potente, equilibrado e estrategicamente brilhante foi o da Misci, que apostou em uma abertura arrebatadora com uma top model, costurou sua narrativa visual com uma mistura instigante de new faces e rostos consagrados, e fechou a apresentação com uma supermodelo de impacto — provando que é possível alinhar representatividade, estratégia de imagem e sofisticação estética em uma mesma passarela.

Outras agências como Way, JOY, Evol, Hundred, IMG e até núcleos independentes vêm apostando em perfis que fogem da fórmula São Paulo-Milão. Ainda são poucos, mas são consistentes. E é por aí que a moda pode começar a mudar.

Se o Casting é Excludente, o Desfile É Mentira

O casting não é detalhe: é manifesto… é statement! É ali que a moda decide se vai repetir ou romper padrões. E enquanto ele continuar sendo regido por favoritismo, hype digital, racismo estrutural, gordofobia velada e capacitismo explícito, nenhuma campanha vai corrigir esse ruído.

A passarela só é legítima quando quem a pisa foi escolhido com ética, critério e consciência. O resto é mise en scène de um espetáculo que insiste em chamar de inclusão o que ainda é segregação estilizada.

O House of Models vai continuar cutucando essa estrutura com salto agulha e manchete provocativa. Porque, meu bem, a gente não desfila por likes. A gente desfila por justiça.

E nesse dia 1 de maio de 2025, dia do trabalhador… se mesmo assim a moda quiser continuar fingindo que não entendeu… Atura ou surta, bebê.

Foto: Leca Novo
Foto: Ze Takahashi
Foto: Gustavo Scatena