Por Fábio Lage – House of Models
“Quem nasceu para ser vento não se contenta em ser brisa.”
Foi nesse clima de vendaval solar que a Misci invadiu a Fundação Bienal de São Paulo no dia 24 de abril de 2025.
Sob um calor de 30 graus, Airon Martin transformou seu desfile de Inverno 2025, batizado de “O Culto a Si”, em muito mais do que uma apresentação de moda: foi um ritual de identidade, um abraço coletivo nas raízes brasileiras e uma cutucada certeira em quem ainda acha que “brasilidade” é só colocar folhinha de bananeira na estampa.

Se alguém duvidava da força da Misci no cenário da moda contemporânea, mon amour, saiu de lá convertida.
O culto à liberdade, à técnica apurada, à ancestralidade e ao deboche tropical estava instaurado.

E como bem ensinou Tieta, a grande musa do desfile:

“Vim para escandalizar mesmo! Quem não gostou, que reze.”

Um conceito que é tapa de luva
Inspirado na obra “Tieta do Agreste” de Jorge Amado e no impacto popular da novela da Globo, Airon Martin perguntou ao público: quem seria Tieta hoje?
A resposta veio em looks que misturavam tradição e futuro, sensualidade e força, doçura e rebeldia em moda pura, chéri!
Era a mulher livre, era o homem que rebola sem culpa, era o corpo que foge da norma, era o orgulho de ser quem se é.
Era o Brasil real, sem filtro, atravessando a passarela com areia nos pés e fogo no olhar.

E para selar o pacto, a própria Betty Faria, a eterna Tieta, brilhou ao lado de Airon no encerramento, abençoando o desfile com sua aura histórica e sua risada de quem nunca pediu licença para existir.

“O povo fala, o povo inventa, mas quem vive sou eu!”

— e foi exatamente isso que o desfile nos lembrou: viver é um ato de coragem e culto ao próprio ser.

Uma cenografia quente como o sertão
A Fundação Bienal de São Paulo, normalmente fria e minimalista, foi transformada num pedaço ardente de Mangue Seco.
A areia cobriu o chão, refletindo o calor tropical nos corpos dourados dos modelos.
O cenário era seco, mas a emoção era líquida.
O sol batia forte pelas janelas abertas, como uma bênção agreste, reforçando o contraste entre natureza bruta e moda refinada.

A trilha sonora, assinada pelo coletivo Ubuntu, misturava batidas eletrônicas, forró estilizado, samba-reggae e house music, criando um ambiente em que nem a primeira fila de celebridades conseguiu ficar parada.
Era rave, era romaria, era carnaval antecipado: o sertão dançando dentro do concreto da metrópole.

“A areia pode cobrir meus pés, mas nunca minha cabeça!”

— e foi exatamente com essa cabeça erguida que a Misci marchou sobre a Bienal.

As roupas: uma aula magna de design autoral
Airon Martin deixou de lado as estampas exuberantes para provar que a alma da Misci vai muito além do visual.
O que dominou a coleção foi a construção impecável, a escolha cirúrgica dos materiais e a execução artesanal elevada ao nível do sublime.

O couro de pirarucu, tratado artesanalmente, moldava blazers e saias que pareciam surgir do próprio sertão.
O látex amazônico da DaTribu apareceu em corsets estruturados e vestidos justos, desafiando o calor com elegância escultural.
O couro vegetal “Pelle Verde”, sustentável e luxuoso, mostrava que inovação e tradição podem — e devem — andar juntas.

O crochê, trabalhado pelas mãos de artesãs da Casa das Bordadeiras e das Rendeiras de Alcaçuz, surgia desconstruído, em tramas abertas que rasgavam o visual como ventanias.
Nada era literal.
Nada era gratuito.
Tudo pulsava autenticidade, mon amour… tá bom pra você?

As lãs italianas em marrom queimado cortadas em alfaiataria irrepreensível mostravam que a Misci agora briga de igual para igual com qualquer grande maison europeia.
E os cortes cut-out, aplicados com precisão quase cirúrgica, diziam: a pele é nossa, a história é nossa, o culto é nosso.
Cada look, um escândalo!
Cada look parecia saído de um altar fashion onde a fé era no próprio corpo e na própria terra.

Modelos surgiram com alfaiatarias desconstruídas, em proporções oversized que mantinham a elegância como quem segura o balançar do corpo com destreza de mestre de samba.
Vestidos esculturais em branco puro desenhavam curvas com cortes assimétricos, desafiando a gravidade e brincando com luz e sombra como só quem conhece a luz do sertão pode fazer, darling Lee!

Os crochês verdes rasgados, que revelavam pedaços de pele em tramas irregulares, surgiam como metáforas visuais de uma Tieta moderna: ferida, viva, linda e invencível ao mundo dominado por tecnologias.

As mangas extralongas, as barras que varriam o chão, e os corpos livres de molduras estreitas criavam uma imagem de brasilidade nova: solar, sensual e sem pedir desculpas… é do babado!
Quem brilhou na passarela

Laís Ribeiro, musa da resistência brasileira, fechou o desfile como quem carrega toda a ancestralidade nordestina no quadril e ainda pisa firme com salto agulha no chão da Bienal.
Poucos meses depois de dar à luz, surgiu mais forte, mais bela, mais Tieta do que nunca.

E, claro, o momento apoteótico: Betty Faria, nossa eterna Tieta, atravessou a passarela como a encarnação da rebeldia elegante que atravessa gerações.
(No fundo, todo mundo tem um pouco de Tieta… só falta coragem!)
Misci, o culto é real!
Airon Martin mostrou que a moda brasileira não precisa gritar para ser ouvida.
Ela precisa apenas falar com a alma.
E foi isso que a Misci entregou: uma coleção para vestir o espírito, não só o corpo.

Enquanto muitas marcas tentam pasteurizar a identidade brasileira, a Misci a celebra com força, com ginga e com técnica refinada.

E a gente, aqui do House of Models, tira o chapéu de palha, calça o salto e aplaude de pé:
Tieta voltou. E ela veste Misci.

“Quem quiser que me aguente!”

Atura ou surta, bebê!
Foto: Zé Takahashi
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