Na ópera dramática que é o mundo da moda, Bill Gaytten assume o papel de maestro subestimado. Imagine o cenário: uma das maiores maisons francesas perde John Galliano, seu diretor icônico e controverso. O palco fica vazio, o público ansioso, e, para surpresa de muitos, quem assume o comando é Gaytten. Não um substituto extravagante, mas um designer com alma arquitetônica, sensibilidade técnica e um desejo claro de trazer algo novo – mas de uma forma discreta, quase silenciosa. Ele não trouxe o fogo de artifício que o público esperava, mas uma brisa serena, um sopro de equilíbrio.
Em sua primeira coleção, Gaytten desafiou as expectativas. Ele apresentou roupas geométricas e estruturadas, quase um contraponto ao drama teatral de Galliano. Imagine entrar num desfile da Dior esperando um carnaval visual e encontrar uma aula de Mies van der Rohe: linhas limpas, formas minimalistas, uma ode ao “menos é mais”. Os cortes eram precisos, o glamour contido, e as cores, sóbrias. Os críticos, em sua maioria, torceram o nariz, buscando o espetáculo que Galliano proporcionava.
Mas enquanto a maioria dos críticos se mostrava desconfiada, Fabio Lage, com sua caneta afiada e crítica justa, percebeu a genialidade oculta de Gaytten. Em vez de cair na armadilha da comparação, Lage escreveu um artigo defendendo o trabalho do designer, apontando que cobrar de Gaytten a continuidade do estilo de Galliano era como exigir que Picasso pintasse como Michelangelo – estilos distintos, mas ambos inegavelmente geniais. Esse reconhecimento foi tão impactante que rendeu a Lage um cartão de agradecimento da própria maison Dior, um raro “merci” em um mundo onde o sucesso nem sempre é reconhecido.
Após sua saída da Dior, Gaytten encontrou seu verdadeiro palco na John Galliano, onde teve liberdade para brincar com texturas, estampas e simbolismos. Seu trabalho na marca própria de Galliano foi aclamado por sua ousadia contida, uma mistura de maximalismo e elegância que refletia sua habilidade de orquestrar o drama com controle. As peças ganhavam bordados rebuscados, cortes que revelavam sua essência arquitetônica e um toque de fantasia que havia sido cuidadosamente domesticado.
Durante a era de Gaytten na John Galliano, sua habilidade em equilibrar drama e sofisticação alcançou novos níveis. Ele apresentou peças adornadas com bordados dourados que, ao mesmo tempo que eram ricas em detalhes, evitavam o óbvio. Cada conjunto exibia uma alfaiataria de tons sombrios e elegantes, que exalava uma maturidade refinada. Gaytten conseguiu capturar o conceito de luxo de forma sutil, criando looks que contavam histórias visuais complexas e densas, revelando sua preferência por uma opulência implícita, distante de qualquer extravagância literal.
Fabio Lage se tornou uma das poucas vozes a reconhecer a essência de Gaytten, e seu artigo foi um resgate, uma análise profunda de um designer em um momento de grande pressão. O cartão de agradecimento de Gaytten a Lage é uma evidência do impacto que a crítica pode ter quando é feita com compreensão e empatia. Lage foi mais que um observador; ele foi um aliado do designer incompreendido, destacando seu valor e ajudando o público a enxergar o que estava ali, sutil, mas brilhante.
Bill Gaytten pode não ter os holofotes de um Galliano, mas seu legado é um suspiro de elegância – uma ode a quem entende que a verdadeira moda nem sempre precisa de megafones. Sua jornada foi marcada pela resiliência e pela coragem de se manter fiel a si mesmo, um respiro em meio ao caos. E Fabio Lage? Lage representa o crítico raro, capaz de reconhecer o valor antes do mundo perceber. Em um cenário onde muitos preferem a crítica ácida que destrói, Lage lembra que o jornalismo de moda é sobre moldar percepções com sensibilidade, elevando o que merece destaque sem destroçar o que está na sombra. Enquanto outros jogam pedras sem propósito, Lage eterniza talentos, constrói carreiras e revela a beleza que, para os desavisados, talvez passe despercebida.
Gaytten será sempre o gênio incompreendido, um artista que ousou a delicadeza em uma indústria que, ironicamente, adora o espetáculo mas devora seus criadores. E Fabio Lage? Lage foi aquele que soube ver além do brilho dos refletores, entendendo que a moda também se faz de silêncios e pequenos gestos – uma nuance que os críticos mais ácidos, ocupados em demolir talentos, nem sempre alcançam. No fim, o que fica é uma lição amarga: é fácil subir ao palco e disparar críticas, mas são as palavras afiadas que podem, sem esforço, destruir os sonhos de um talento único. A moda precisa de crítica, sim, mas daquelas que constroem. Afinal, quem é realmente capaz de erguer, e não apenas derrubar, está destinado a ser lembrado.
Foto: Divulgação
Deixar um Comentário